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Independência financeira não basta: mulheres bem-sucedidas e relacionamentos abusivos

Durante muito tempo acreditou-se que bastava garantir às mulheres autonomia econômica para que elas pudessem se libertar de relações abusivas

Autor: Mayra CardozoFonte: De Assessoria de Imprensa

Durante muito tempo acreditou-se que bastava garantir às mulheres autonomia econômica para que elas pudessem se libertar de relações abusivas. De fato, a dependência financeira é um dos fatores mais visíveis que aprisiona mulheres: quando ela não tem renda própria, sente que não pode sair porque não terá como sustentar a si mesma ou a seus filhos. Nesses casos, a falta de recursos funciona como uma prisão concreta.

Mas, ao observarmos a realidade, percebemos que mesmo mulheres bem-sucedidas, independentes e reconhecidas em suas profissões continuam presas a relacionamentos abusivos. Isso revela uma verdade incômoda: a independência financeira é importante, mas não é suficiente.

Do ponto de vista da psicanálise, o que mantém uma mulher em uma relação violenta não se reduz ao dinheiro, mas envolve laços inconscientes, identificações e repetições. Muitas vezes, a mulher internalizou desde cedo crenças patriarcais que associam o amor à dor, a paciência ao sacrifício e a feminilidade à renúncia de si.

Freud nos ensinou que o inconsciente é atemporal: padrões de dependência e sujeição podem se repetir no presente como ecos de vivências infantis. Assim, mesmo que a mulher tenha conquistado poder social, profissional e econômico, em sua vida íntima pode estar capturada por dinâmicas de submissão que remetem a feridas mais antigas.

Além disso, a violência psicológica opera justamente nesse nível invisível, minando a autoestima, desestabilizando a percepção da realidade, instalando culpa e medo. O gaslighting, por exemplo, é um mecanismo sutil, mas devastador, que pode fazer com que até uma mulher extremamente inteligente duvide de si mesma. É a isso que chamamos de aniquilação da subjetividade: a perda do lugar de sujeito desejante, que pensa e sente por si.

O direito penal brasileiro, em diálogo com os movimentos feministas, reconheceu essa dimensão invisível e, em 2021, passou a tipificar a violência psicológica contra a mulher (art. 147-B do Código Penal). Essa criminalização foi um marco, porque reconhece que não se trata de "mera briga de casal" ou "questões emocionais", mas de uma forma concreta de violência, capaz de gerar graves danos à saúde mental e à dignidade da vítima.

Ainda assim, o desafio probatório é grande: como provar a humilhação reiterada, o controle, a manipulação? É nesse ponto que a experiência subjetiva da mulher precisa ser levada a sério, sob pena de o sistema de justiça reproduzir a revitimização.

Portanto, quando afirmo que independência financeira não basta, é porque o que prende não é apenas a falta de recursos materiais, mas a colonização psíquica e simbólica produzida pelo patriarcado. O dinheiro pode abrir a porta, mas o que impede a saída é o medo, a culpa e a desconstrução da própria identidade. E é justamente aí que direito e psicanálise precisam dialogar: de um lado, garantindo proteção jurídica e reconhecimento institucional da violência; de outro, possibilitando processos terapêuticos que ajudem a mulher a se reconectar consigo mesma e com sua capacidade de desejar, amar e existir sem anulação.

Ter dinheiro ajuda a sair. Mas só a reconstrução subjetiva e a responsabilização penal do agressor podem garantir que ela não volte.

Mayra Cardozo é terapeuta e advogada especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Idealizadora do método Alma Livre, criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.